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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017


No final de 2016 tive a graça de ter a disciplina “A relação palavra e imagem” com o incrível Odilon Moraes, na pós-graduação  “O Livro para a Infância” d'A Casa Tombada. É engraçado falar a graça, mas de verdade, não consigo encontrar uma expressão melhor, foi incrível.

Impossível falar aqui sobre todos as (acho que é isso mesmo) centenas de livros que ele nos apresentou, sob o ponto de vista histórico e sempre muito afeito. Então, deixo para vocês o que foi meu breve  trabalho de final de curso (do Odilon). O objetivo era comparar dois livros ilustrados que tivessem algo em comum em no máximo duas páginas. Mas para vocês falo também de um terceiro livro, todos bem divertidos. Aí vai! 

Há um tipo de livro ilustrado muito antigo, surgido lá pelo século III, que muito fascina. O bestiário. Recentemente conheci o Animalário Universal do Professor Revillod, um livro divertidíssimo que se faz passar por um compêndio de ciência rigorosa com apontamentos sobre 4096 feras de todas as selvas do mundo. 

de Castán & Murugarren, 2016, Editora SESI-SP 
A narrativa introdutória sobre o “legado” deixado pelas incríveis “descobertas” do laureado Professor Revillod, segue o rigor de discurso das ciências, assim como os comentários para cada animal. São 44 lâminas de animais comuns, cada lâmina dividida em três. O que acontece ao folhearmos as páginas do livro separadamente, é a decomposição dos animais comuns e a possível (na verdade, inevitável!) recomposição de criaturas fantásticas e de comentários intrigantes, hilários. 


É o caso, por exemplo do “Elegafegre”, mistura de elefante (“formidável paquiderme de majestoso porte das selvas da Índia”), pulga felina (“antenado comum de picada persistente de ambientes insalubres”) e tigre (“feroz animal de belíssima estampa dos bosques malaios”).

“formidável paquiderme de picada persistente dos bosques malaios

A brincadeira com o manuseio livre das tiras pode durar horas, levando-nos a experimentar surpresa, admiração e riso. A mistura de duas ou mais palavras não é coisa nova, é claro. De autores brasileiros temos, por exemplo, "O Livro da Com-Fusão".

Imagens de "O Livro da Com-Fusão, de Ilan Brenman & Fê, 2004, Brinque-Book.
A grande diferença nesta obra é o contraponto entre o tom científico, presente tanto no texto, de vocabulário sofisticado, quanto nas imagens, que lembram ilustrações científicas do início do século XX, com o fantástico. Assim, a interação com a obra expande nossas possibilidades de leitura, assim como a experiência que se tem com o que seria, inicialmente, um livro demonstrativo com palavras. Além disso, podemos dizer que este livro vai além do gênero demonstrativo, ao apresentar o personagem, Professor Revillod, como o responsável pela coleta das formidáveis feras das selvas de todos os continentes.  

de Sirish Rao, 2012, Editora Gaia
Outro livro que apresenta um personagem principal e misturas de animais é o indiano "Como eu vejo as coisas".Entretanto, ao contrário do Animalário e de O livro da com-fusão, que não apresentam uma narrativa sequencial, aqui conta-se a história de um artista que desenha animais imaginários. As pessoas que veem sua obra o criticam por pintar animais que não existem, mas ele não se importa continua a criá-los e a dar-lhes nomes. O conflito vem quando os próprios desenhos começam a reclamar, como o crocogalo, que não conseguia deixar de girar em círculos, perseguindo a própria cauda. Ou o elefanguejo, cabeça e corpo de elefante e pernas de caranguejo, pois sua cabeça queria ficar na terra e pernas na água. Em que mundo essas criaturas poderiam ser felizes?

Crocogalo

o artista
As ilustrações de Bhajju Shyam, típicas da tribo Gonde (Índia), acompanham o texto, reforçando-o, sem expandi-lo. Na verdade, uma observação mais demorada revela que os animais não expressam seu desagrado nas ilustrações. Isso acontece porque, em realidade, na história da produção do livro, foi o texto que acompanhou os desenhos, já estavam prontos, como contou o ilustrador em uma entrevista. Tendo diversos desenhos de animais estranhos, o ilustrador gostaria de usá-las, mas não sabia como. Foi quando desenhou o artista do livro, cuja história era parecida com a sua própria. Tinha os desenhos e não sabia onde colocá-las. Ambos encontram no livro o lugar perfeito para abrigar essas criaturas únicas.


Essas  obras,são um convite à imaginação e à criatividade, textual e pictórica.

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