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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Só agora estou chegando à Terra do Nunca

Eu sempre gostei de ler e de escrever... cartas, diários, pequenas histórias. Mas este ano resolvi levar a coisa um pouco mais a sério e comecei uma pós-graduação toda dedicada ao livro para crianças e jovens n'A Casa Tomabada/FACON. Estou a-man-do!!! Amando as disciplinas, os professores, os colegas e, principalmente, claro, os livros. Em cada encontro dezenas de descobertas e, no fim do semestre, deve ter chegado a uma lista de mais (muito mais...) de cem livros "imperdíveis"! Sem perder tempo, vou compensando as leituras que eu não fiz e relendo histórias queridas.

Como parte de uma atividade avaliativa da disciplina “Uma História da Literatura para Infância no Ocidente”, da professora Susana Ventura, eu deveria comentar um dos muitos livros citados por ela no curso. Escolhi o livro Peter Pan.


Peter Pan, de Jamie Barrie, na edição traduzida
 por Ana Maria Machado.

Nunca fui fã de Peter Pan, não sabia o nome dos irmãos de Wendy, sempre tive antipatia por Sininho e certa compaixão pelo Capitão Gancho. E me incomodava um pouco que esses personagens fossem tão festejados, mais que nada, por não conseguir participar dessa festa. Até há bem pouco tempo, tudo o que eu sabia dos personagens de Jamie Barrie havia sido através de filmes e séries de televisão. Aí meu filho leu Peter Pan quando estava no 7º ano e pareceu se emocionar com o livro. Achou-o triste. Comecei a desconfiar que aquele garoto narcisista, metido, irresponsável e insensível ao amor que lhe era devotado poderia ter outras camadas que me haviam escapado. Agora, movida pela curiosidade e pelo desejo de consumir toda a literatura “essencial” que me escapou na infância, finalmente li o famoso livro.

Já na primeira página eu entendi (ou comecei a entender) a tristeza contida no livro:

“ ... daí para a frente, Wendy ficou sabendo que tinha que crescer. Depois dos dois anos, você sempre fica sabendo. Dois anos é o começo do fim. " [p. 7]

Logo me recuperei dessa nostalgia e pensei em como foi bom crescer, eu sempre quis crescer. Quando criança, eu sonhava em me tornar adulta. E foi com essa determinação no coração que eu segui a leitura, observando atentamente o estilo da escrita, as figuras de linguagem, as referências histórias e sociais da Londres aristocrática, machista e racista de 1910 e me entediando com as descrições dos voos e das lutas de Peter Pan.

Incomodada por não ter encontrado o encanto e a magia de que tanta gente fala, comecei então a ler resenhas e artigos sobre Peter Pan. Não que eu quisesse ser “igual a todo mundo”, o que definitivamente está longe de me caracterizar. Foi mais uma intuição de que eu precisava ir mais fundo naquele universo. E então, não sem dor, descortinei-me. Eu estava lendo Peter Pan com os olhos e o coração de uma adulta que desde criança se excluiu da infância e quis ser adulta... Não havia me permitido a entrega à fantasia e à rebeldia. Me resignei desde cedo demais às regras do mundo adulto, à ideologia familista. Agora entendo o que me incomodava tanto em Peter, minha antítese, e Wendy, minha tese. Reconheço em mim a couraça do medo do fantástico (que ironia!) de que, se eu me deixasse visitar a Terra do Nunca, talvez eu me perdesse por lá.

Silenciosamente, após alguns dias, retomei a leitura de Peter Pan. Surpresa. Enxerguei doçura onde antes eu via cinismo, fragilidade onde era arrogância, coragem onde era impertinência. Até em Sininho, que sempre julguei ser uma ciumenta insuportável, flagrei uma prova de amor incondicional que me comoveu. Terminei o livro com os olhos (úmidos) do coração, ansiosa por reler a história com uma postura desarmada e mais leve. Tão leve que, quem sabe, me permita voar até a Terra do Nunca...




Quer saber mais? Algumas leituras que me ajudaram nesse estudo:
1. Barrie, Jamie M. (2006). Peter Pan. (A. M. Machado, Trad.) São Paulo: Moderna.
3. Zilberman, Regina. (2003). Peter Pan, de Monteiro Lobato. IN: ____ A literatura infantil na escola. São Paulo: Global. p. 83-94.
4. Zilberman, Regina. (2003). Literatura infantil: fantasia e exemplaridade. IN: ____ A literatura infantil na escola. São Paulo: Global. p. 126-132.
5. Petit, Michelle. Peter Pan e Wendyou o direito à ficção. Revista Emília, 2012. 

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